A dica de leitura dessa semana é o escritor angolano Pepetela. Nesse livro, sobre a colonização de Benguela, nós podemos aprender várias lições sobre ponto de vista e desenvolvimento de personagens.
A história cobre alguns anos do século XVI quando Manuel Cerveira Pereira, governador de Luanda, tenta encontrar ouro no território de Benguela. Essa personagem histórica se mistura com muitas outras, reais e fictícias, para criar um retrato da sociedade da época. Uma dessas personagens fictícias de maior destaque é Carlos Rocha, garoto negro, nascido em Luanda e criado na cidade, filho de um pai que perdeu todo o dinheiro com bebida e que foge de casa com seu escravo, pois teme que o pai o venda como escravo para sustentar o vício. Essas são as duas personagens centrais da história que se intercalam para contar a maior parte do romance. Assim, temos capítulos narrados por Manuel, onde podemos ver através da sua mesquinhez como funcionava a política nessa época, como o rei não se importava muito com o que acontecia nessas terras tão distantes, como os colonizadores tratavam os africanos e as mulheres, e como sentiam não ter nada de errado no que faziam. Já com Carlos, através de sua viagem, conhecemos o interior do continente, as tribos que viviam afastadas dos colonizadores e que guerreavam entre si ou se aliavam. O mais interessante aqui é que Pepetela usa o que Bakhtin chama de polifonia: ele não muda simplesmente os pontos de vista, mas ele dá voz própria às personagens, não apenas no que se refere ao estilo, mas também à opiniões. Encontramos opiniões muito diferentes para cada personagem no decorrer do livro.
Além disso, aparecem ainda, como personagens-narradores, o padre jesuíta de origem judaica Simão de Oliveira, e a jovem Margarida Sottomayor, também para mostrar suas visões dos acontecimentos, suas opiniões. Assim, temos a visão da colonização e da política africana da época de diversos pontos de vista: dos colonizadores, dos africanos, das mulheres, dos judeus. E todas essas diversas vozes se encaixam para formar uma única história. Fatos não são recontados ou repetidos, mas se encaixam e se combinam.
Um romance realmente recomendável para todos, seja pela belíssima história de colonização, que é bem diferente da brasileira, ou como um estudo de como sair do básico na questão do ponto de vista, misturando no mesmo livro capítulos em primeira e terceira pessoa, mudando os pontos de vista no meio do capítulo diversas vezes e como dar uma voz e uma personalidade única para os personagens.
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